Mais de 250 municípios
decretaram estado de emergência por conta da seca prolongada no Nordeste. O
nível dos açudes está baixo, sendo que alguns já secaram. Plantações se
perderam. Quem tem cisterna ou reservatório na propriedade está conseguindo
garantir qualidade de vida para a família e as criações.
Dilma Rousseff tem reunião, nesta segunda (23), com governadores do
Nordeste e deve tratar da seca e de medidas que serão tomadas pelo governo
federal para ajudar a mitigar seus efeitos.
Tempos atrás, durante outra estiagem, fiz um ping-pong curto com João
Suassuna, engenheiro agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco. Ele é
um dos maiores especialistas na questão hídrica nordestina. Entrei em contato
com ele de novo e refiz as perguntas. Pouco mudou.
Por mais que haja evaporação e açudes sequem, a região possui uma grande
quantidade de água, suficiente para abastecer sua gente. Segundo Suassuna, o
problema não é de falta de recursos naturais, mas de sua distribuição.
Falta
água no Nordeste?
O Nordeste brasileiro é detentor do maior volume de água represado em regiões
semi-áridas do mundo. São 37 bilhões de metro cúbicos, estocados em cerca de 70
mil represas. A água existe, todavia o que falta aos nordestinos é uma política
coerente de distribuição desses volumes, para ao atendimento de suas
necessidades básicas.
O que é o projeto de transposição do São Francisco?
O projeto do governo, remanescente de uma idéia que surgiu na época do Império,
visa ao abastecimento de cerca de 12 milhões de pessoas no Nordeste
Setentrional, com as águas do rio São Francisco. Ele foi idealizado para
retirar as águas do rio através de dois eixos (Norte e Leste), abastecer as
principais represas nordestinas e, a partir delas, as populações. Hoje, as obras
estão praticamente paralisadas, com alguns trechos dos canais se estragando com
o tempo, apresentando rachaduras.
Então ele é a saída para essa distribuição?
O projeto é desnecessário tendo em vista os volumes d´água existentes nas
principais represas nordestinas. Da forma como o projeto foi concebido e
apresentado à sociedade, com o dimensionamento dos faraônicos canais, fica
clara a intenção das autoridades: será para o benefício do grande capital,
principalmente os irrigantes, carcinicultores [criadores de camarão],
industriais e empreiteiras.
Então, há outras alternativas para matar a sede e desenvolver a
região?
A solução do abastecimento urbano foi anunciada pelo próprio governo federal,
através da Agência Nacional de Águas (ANA), ao editar, em dezembro de 2006, o
Atlas Nordeste de Abastecimento Urbano de água. Nesse trabalho é possível, com
menos da metade dos recursos previstos na transposição, o beneficio de um
número bem maior de pessoas. Ou seja, os projetos apontados pelo Atlas, com
custo de cerca de R$ 3,6 bilhões, têm a real possibilidade de beneficiar 34
milhões de pessoas, em municípios com mais de 5.000 habitantes.
O meio rural, principalmente para o abastecimento das populações difusas –
aquelas mais carentes em termos de acesso à água, poderá se valer das
tecnologias que estão sendo difundidas pela ASA (Articulação do Semiárido),
através do uso de cisternas rurais, barragens subterrâneas, barreiros,
trincheiras, programa duas águas e uma terra, mandalas etc.
Enquanto isso, o orçamento do projeto de Transposição não pára de crescer.
No governo Sarney, ele foi dimensionado com um único eixo e tinha um orçamento
estimado em cerca de R$ 2,5 bilhões. Na gestão Fernando Henrique, ganhou mais
um eixo e o orçamento pulou para R$ 4,5 bilhões. No governo Lula, saltou para
R$ 6,6 bilhões. E, agora, no governo Dilma, chegou na casa dos R$ 8,3 bilhões.
Como se trata de um projeto de médio a longo prazo, essa conta chegará
facilmente à cifra dos R$ 20 bilhões nos próximos 25 a 30 anos.
Notas
do blog:
- O governo Dilma mudou a política de apoio à construção de cisternas que
vinha sendo tocada pela ASA através do projeto “Um Milhão de Cisternas para o
Semiárido”. Para acelerar a produção de cisternas (gigantes caixas d’água que
guardam a água da chuva), as placas de cimento foram trocadas por pré-moldados
de polietileno – que podem deformar com o calor, custam mais que o dobro que os
feitos com a matéria-prima anterior, não utilizam mão-de-obra local na sua
confecção (não gerando renda) e tem manutenção mais complexa do que se fossem
feitos de alvenaria. As organizações sociais criticaram a tomada de decisão
centralizada, sem questionar quem vem executando e se beneficiando da política
pública na base.
- No ano passado, a Polícia Federal e a Controladoria Geral da União
constataram um desvio de R$ 312 milhões em verbas do Departamento Nacional de
Obras contra as Secas (Dnocs), que poderiam estar sendo utilizadas para
diminuir o impacto da estiagem deste ano.
Como disse, o problema não é de falta e sim de distribuição. De água, de
decisões, de recursos. Enfim, de cidadania.